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17 de novembro de 2010

Poema e Imagem

PASSEIO PÚBLICO — poema de Mário Pederneiras 
 Calmo jardim fechado e antigo,
Que o Sol, de leve, aquece,
E em que a sombra é um abrigo,
Onde o corpo descansa e o espírito repousa…
Aqui dentro, parece,
Vive um pouco da minha mocidade
E alguma coisa
Da vida primitiva e ingênua da cidade.
Velho jardim sombrio
Como um parado olhar convalescente…
Quando, sobre ti, se espalma
O veludo macio
E a sugestiva calma
Que encerra,
A meia sombra do poente,
És o mais triste dos jardins da Terra.
O teu velho recinto
Convida a cisma e ao sono,
E há qualquer coisa de final e extinto,
No teu cenário vegetal de Outono.
Jardim de Sol e sem a intensidade
Do rumor diário
Sem a brava luxúia
desta vegetação que escurece o horizonte…
Velho jardim macio e solitário,
Cheio de evocações, do passado, de Mágoas,
E em cuja fonte
O ritmo da água
Parece relembrar a dolente lamúria
Dos antigos amores da Cidade. 
 Jardim de paz, de quietação, de sono,
Sem florações pujantes e vermelhas,
Sem horizontes de calor e brasas,
Sem o rude rumor da cidade grotesca,
Agitada, excitante …
Velho jardim de Outono,
Trecho feliz de província distante
E de impressões serenas,
Onde se ouvem, apenas
O adejo das asas,
O zumbir das abelhas
E o sumor de água fresca
Jardim de ocaso, de ternura e afago,
De indolência e triste,
De vida interior serena e quieta,
Sem rigores de Sol, que o queime e o tisne.
Sempre na sombra de um Outono imerso,
E onde, eternamente, existe
Poeta!
Para exemplo e ritmo do verso,
O orgulho de um cisne
E a água triste de um Lago.
 MÁRIO PEDERNEIRAS, do livro OUTONO, [obra póstuma] 1926.

 
 

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